11 fevereiro 2018

Terrorismo judicial

Compreende-se que os juízes gozem de imunidade no exercício das suas funções, não respondendo nem civil  nem criminalmente pelas suas decisões. De outro modo, a parte perdedora no processo tenderia a imputar ao juiz algum motivo (v.g. má-fé, incompetência) para questionar a decisão, e os juízes passariam o tempo nos tribunais a responder pelas suas próprias decisões.

A Justiça seria impossível de todo. Por isso, para auditar as decisões dos juízes e, se necessário, modificá-las, existem os recursos, e para penalizar um juiz que reiteradamente produza más decisões existe um órgão de disciplina que entre nós é o Conselho Superior da Magistratura.

Já não se compreende de todo que os advogados - incluindo os advogados por parte do Estado, que são os magistrados do Ministério Público - gozem de idêntico privilégio. Estes são parte interessada na decisão - ao contrário do juiz, que é imparcial - e se se lhes dá a liberdade de mentir, omitir, imputar ou acusar falsamente, então a Justiça, se não se torna impossível, torna-se certamente muito difícil.

Para se fazer Justiça é necessário, em primeiro lugar, apurar a verdade. A Justiça depende da verdade. Mesmo nas circunstâncias em que o juiz tem de um lado um advogado de acusação que fala verdade, e do outro, um advogado de defesa que também fala verdade, mesmo nestas circunstâncias - dizia - por vezes é imensamente difícil julgar e fazer Justiça.

Mas se um juiz tem de um lado e do outro advogados que mentem, porque têm inteira liberdade para isso e nada lhes acontece, então a capacidade do juiz para fazer Justiça diminui drasticamente e o tempo necessário para se fazer Justiça aumenta exponencialmente.

A verdade demora tempo a vir ao de cima, e frequentemente só nos recursos e passado muito tempo é que é possível apurar a verdade, já que o juiz de primeira instância que teve de decidir na hora, muitas vezes sobre mentiras, não conseguiu chegar a ela.

E os advogados mentem?

Se mentem... pois se eles são livres de o fazer e nada lhes acontece, se estão protegidos por um estatuto de imunidade...

A liberdade da mentira que lhes assiste, e a respectiva impunidade, não afecta apenas a capacidade dos tribunais para fazer justiça. Pode servir outros propósitos também.

Por exemplo, voltando ao meu case study, na queixa que é apresentada contra mim pelos advogados dos queixosos, eles escrevem a certa altura: "Aliás, o arguido em coerência e repetição dessa sua intenção deliberada e concretizada de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança do assistente, publicou em Dezembro de 2016, no blogue denominado Algol Mínima, sob o título 'Parece que o Paulo Rangel vai emigrar de vez', um texto, por si elaborado, com o seguinte teor (...)"

Ora, a verdade, é que eu nunca publiquei coisa nenhuma no blogue Algol Mínima, nem conhecia a sua existência.

Feita a falsa imputação, segue-se a ameaça de um novo processo (que me deixou a tremer): "Afirmações estas que, não obstante corresponderem a novo crime que nas devidas instâncias será denunciado para que o mesmo venha a ser julgado em processo próprio..."

Terrorismo judicial no seu melhor.

Quem passa o dia a mentir no exercício da sua profissão - porque tem liberdade para isso e nada lhe acontece -  acaba por se tornar um mentiroso profissional.  Mente com a máxima naturalidade.

Conclusão. Na reforma da Justiça que está por aí a chegar, os advogados devem perder o estatuto de imunidade de que gozam no exercício da sua profissão e passarem a responder civil e criminalmente pelo que dizem e fazem - como acontece, aliás, a qualquer outro cidadão.


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