24 julho 2017

Sétimo Arroja

Ontem eu estava à espera de um milagre. E aconteceu. Durante a tarde, entre a família e os amigos, a celebrar o aniversário do meu neto T., tive a notícia de que iria ter mais um neto, previsto para Fevereiro. Para mim, é o sétimo Arroja da terceira geração.(*)

É claro que, de lado, houve logo quem gracejasse: "Coitadinha da criança ...lá vai o neto ter de ir conhecer o avô à prisão...".

Como os milagres são acontecimentos que têm uma ínfima probabilidade de ocorrer - os pais desta criança não sabem fazer pénis (pode sair-lhes uma vagina...) - mas, ainda assim, acontecem,  teria sido para mim o mais extraordinário dos dias se um outro milagre tivesse ocorrido ontem também.

Não aconteceu. Mas pode vir a acontecer a qualquer momento.

Quando compareci perante o Tribunal de Instrução Criminal também se falou de prisão.

Expliquei que o episódio Rangel tinha sido mais um obstáculo que eu tinha encontrado no caminho para fazer aquela obra, e que só consegui vencer daquela maneira.

Antes de decidir fazer aquele comentário no Porto Canal tinha procurado resolver o assunto por todos os meios. Sem resultado. A partir de certa altura, todas as portas se fechavam e os telefones já não eram atendidos. A obra estava paralisada e os custos a correr.

Um mês antes da minha intervenção enviei um e-mail a uma colaboradora minha onde dizia: "Tenho a impressão que isto só se resolve com dois berros. E vou ter de ser eu a dá-los".

A profecia cumpriu-se. Uma semana depois da minha intervenção no Porto Canal estava tudo resolvido (**).

Mais difícil era o obstáculo que, presentemente, tinha pela frente - o Governo do país.

Foi então que, num tom exaltado, disse à juíza: "Eu vou ter de fazer esta obra. Eu prometi fazer esta obra e eu vou fazer esta obra. Nem que seja da prisão!"

Agora é o sistema de justiça que se põe também no caminho. Na realidade, é esta obra que está na origem de tudo isto e também a razão de, naquele dia, eu estar ali a responder em Tribunal.

O meu pai tinha uma expressão curiosa para reagir a estas situações: "Mas que mal fiz eu a Deus?..."

Como o sistema de justiça decidiu  agora também meter-se no meu caminho vou ter de o confrontar, como fiz ao Rangel e à sua sociedade de advogados. Vai ter de levar o abuso até ao fim e  pôr-me na prisão porque eu próprio lhe darei razões para isso, confrontando-o com a mesma determinação com que um toureiro enfrenta um touro na arena.

Ou vai ter de fazer coisa pior ainda.

No início da sessão, perguntei à juíza se tinha visto o vídeo. Ela respondeu que sim. Mas eu não estou certo que ela tivesse tomado a sério a declaração mais importante que lá era proferida: "Só por cima do meu cadáver".


(*) Em 1984, sendo então professor na Universidade de Ottawa, fui dar um curso de um mês à Universidade de Port-au-Prince no Haiti, ao abrigo de um protocolo existente entre as duas universidades. O guia chamava-se Dernier Bonhomme. Intrigado, perguntei-lhe a razão do nome. Explicou-me que já existiam dez filhos na família e, quando ele nasceu, o pai afirmou, decidido: "C'est le dernier!").
(**) O Despacho de Acusação aproveita estas minhas palavras para dizer que eu até me sinto "orgulhoso" (pelos crimes que cometi).

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