27 julho 2017

a maior ofensa

Eu espero agora já ter justificado a proeza daquele maroto que escreveu uma insígnia-pirata por debaixo das outras três que simbolizam a missão do Ministério da Verdade.

Para construir uma sociedade totalitária onde uma casta domina sobre o povo, e submete o povo, reduzindo-o à condição de mero súbdito, é necessário suprimir entre o povo certas palavras e as ideias que elas representam,  reservando-as para monopólio do Estado.

Mentira é uma delas - e consequentemente Verdade, porque as ideias que representam não existem uma sem a outra. Fazem parte de um todo, porque eu não sei o que é a Verdade sem ser por referência à Mentira, e vice-versa. Na Oceania, Verdade era agora uma palavra sem sentido entre a população, e só o Estado a podia utilizar porque só o Estado - quer dizer, a casta - sabia o seu significado, a tal ponto que tinha honras de Ministério.

Mas só é necessário suprimir Verdade e, por arrasto, Mentira?

Não. É necessário suprimir também as palavras Bem (e Mal), Amor (e Ódio), Justiça (e Injustiça) e as ideias que elas representam. E, acima de tudo, é necessário suprimir a palavra Deus (e Diabo), porque é a ideia de Deus que as representa a todas.

A supressão da ideia de Verdade (e de Mentira) dá liberdade à mentira. Do mesmo modo, a supressão da ideia de Bem (e de Mal) dá liberdade ao mal; de Amor (e de Ódio) dá liberdade ao ódio; de Justiça (e de Injustiça) dá liberdade à injustiça. E, finalmente a supressão da ideia de Deus (e de Diabo) dá liberdade ao diabo.

Estávamos ali, naquela manhã, em última instância, por causa de uma obra de Amor. Foi nesse contexto, no meio de um argumento que, ostensivamente, eu fiz a declaração mais explosiva de todas diante do Tribunal de Instrução Criminal de Matosinhos:

                               "...porque eu acredito em Deus... Eu acredito em Deus!..."

Seguiu-se o silêncio.

Olhando para trás, foi talvez a maior ofensa que eu cometi ao Tribunal e ao sistema de justiça que ele ali representava. Ao proferir aquela declaração, ainda por cima de forma tão veemente,  eu estava a dizer que acredito na Verdade, no Bem, no Amor e na Justiça.

E que acredito também no Diabo.


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