14 setembro 2016

Dádiva

Existem três mecanismos possíveis de afectação dos recursos num sociedade - a questão que consiste em saber o que é que se produz, quem produz e quem recebe os frutos dessa produção.

São a troca, a imposição e a dádiva. A troca é promovida pelo interesse próprio, a imposição pelo poder político e a dádiva pelo amor ao próximo.

O sistema capitalista assenta na troca como mecanismo prioritário de afectação dos recursos, seguindo-se, por esta ordem, a dádiva e a imposição. A "Ciência Económica" é fruto da ideologia capitalista e, em certas versões mais radicais do capitalismo, é mesmo referida como Ciência das Trocas (ou Ciência Cataláctica)

O sistema socialista assenta prioritariamente na imposição, seguindo-se a troca e a dádiva. A "Ciência do Direito" é o fruto desta ideologia, porque a afectação dos recursos é aqui feita por comandos ou leis.

A Terceira Via - ou via católica - elege como mecanismo prioritário de afectação dos recursos a dádiva, seguindo-se a troca e só em último lugar a imposição.

O estatuto de menoridade que nos meios académicos, pelo menos, é atribuído ao pensamento social católico não levou ao nascimento de nenhuma "Ciência" de afectação dos recursos. Mas vislumbra-se qual seria. Seria a "Ciência do Amor". Existe uma contribuição sistemática e seminal a esta "Ciência" dada pelo Papa Bento XVI. Está no seu livro "O amor aprende-se".

A "Ciência do Amor" será para a doutrina católica (o catolicismo recusa designar-se por ideologia) o equivalente do que a "Ciência Económica" é para a ideologia capitalista e a "Ciência do Direito" é para a ideologia socialista.

A demarcação que o catolicismo faz em relação ao capitalismo e ao socialismo tem as suas razões, as quais precisam ser explicitadas. Uma delas, talvez das mais importantes, é a importância que atribui à dádiva, mais do que à troca e à imposição como mecanismo de afectação dos recursos.

Ou ao amor, mais do que ao interesse próprio e ao poder como motivador dos comportamentos humanos.

10 comentários:

José Lopes da Silva disse...

Até que ponto poderá o Rendimento Básico incorporar-se na doutrina económica da Igreja?

Vivendi disse...

Não é o rendimento básico é o trabalho para todos.

«Instrução aos mais capazes, lugar aos mais competentes, trabalho a todos, eis o essencial».

«Para cada braço uma enxada, para cada família o seu lar, para cada boca o seu pão».

AOS

José Lopes da Silva disse...

Eu compreendo isso tudo, mas interessa-me o mundo em que vão viver os meus filhos e, eventualmente, os meus netos. Tenho mais amor a eles que às teorias económicas.

A enxada para cada braço está aqui https://www.youtube.com/watch?v=hjd5DaxkLhQ e se acha que é isto é o futuro distante, pergunte ao PA, que conhece bem o Oeste, quantas pessoas trabalham a tempo inteiro na pêra rocha.

Vivendi disse...

"'Não é demais repetir que o que destruiu a família no mundo moderno foi o capitalismo. Não há dúvidas que poderia ter sido o comunismo, se o comunismo tivesse tido a chance fora do deserto semi-mongólico em que realmente floresceu. Mas, até onde sabemos, o que destruiu os lares e encorajou os divórcios, e ameaçou as antigas virtudes domésticas com um desprezo cada vez mais escancarado, foi a época e o poder do capitalismo. É o capitalismo que leva a uma rixa moral e a uma competição comercial entre os sexos; que destrói a influência dos pais em favor da influência do patrão; que tira os homens de casa para procurar empregos; que os força a viver perto das fábricas em vez de próximos à suas famílias; e, acima de tudo, que tem encorajado, por razões comerciais, um desfile de publicidade e novidades aberrantes que são, em sua natureza, a morte de tudo que era chamado de dignidade e modéstia por nossas mães e pais.''

G.K. Chesterton"

Anónimo disse...

Caro Pedro Arroja, uma excelente proposta da sua parte que merece um tratamento mais cuidado e demorado. Para tal nada mais indicado do que batatinhas com merda de um cu cheio, em que o Dr. possa servir-se directamente da travessa, isto é, do rego do cu, à colherada. Colheradas de merda, Dr., colheradas de merda com batatinha assada.

José Lopes da Silva disse...

"Isso é tudo muito bonito - respondeu Cândido - mas é preciso semear o jardim."

Voltaire

Pedro Sá disse...

Desde logo está a esquecer-se das dádivas promovidas por interesse...

Mas em nenhuma sociedade evoluída a dádiva é mecanismo prioritário de afectação de recursos. Aliás, isso é impossível.

José Lopes da Silva disse...

Pronto, agora lá terá o PA que relembrar que são mecanismos complementares, que até foi a Igreja a inventar o mercado na Idade Média, etc.
Mas enfim, fica o repto para se abordar um cenário que será muito diferente.

Anónimo disse...

O tipo de dádiva a que Pedro Sá se refere não é bem uma verdadeira dádiva, é antes o preço dos «almoços grátis». É, ainda, um mecanismo da troca, ainda que de forma não assumida. No segundo parágrafo creio que tem razão, só na Civitas Dei a dádiva poderá ser «o mecanismo básico de afectação de recursos». Na Civitas diaboli não funciona.
A Igreja não deixa de ter a sua voz e presença na Civitas diaboli, tentando minimizar os seus aspectos mais perversos, mas não pode pretender ter um programa de ordenação desta. A Sua ambição maior há-de ser a de convencer o maior número de pessoas a participar da Civitas Dei («o meu Reino não é deste mundo»). Não pode, por isso, apresentar-se com uma ideologia. Não pode ser César e errou quando o pretendeu e quis ser. Na Civitas diaboli, onde o orgulho e o egoísmo são dominantes, o amor tem um espaço relativamente marginal, subversivo e concorrente. Se se tornasse no padrão dominante, convertê-la-ia em Civitas Dei. Mas isso dependerá - para os cristãos -, não só da vontade dos homens individualmente considerados, mas também, e sobretudo, da Vontade de Deus. Até lá resta minimizar os danos, como propôs Sto. Agostinho, Thomas Hobbes, John Locke e tutti quanti. A «terceira via» pode (e quiçá, deve) ser proposta, mas nunca será solução enquanto sistema político-económico geral. Nem por isso o artigo deixa de ser interessante e didáctico.

Dado que estamos num espaço público, peço ao senhor anónimo das 3:19, que ultimamente tem confessado entre nós a sua volúpia coprofágica, que tome as suas refeições na intimidade do lar, com os seus familiares e amigos, poupando-nos à descrição dos seus menus, repugnantes para a sensibilidade dos burgueses que, suponho, constituirão a maioria dos leitores deste blogue. É uma simples questão de «bom gosto», em ordem a manter ao comum dos leitores preservado o saudável apetite, não só por refeições mais nutritivas, como, a alguns de nós, cavalheiros, por um ou outro feminil rego, bonito, em repouso e asseado. Desde já grato.
Pedro Cruz

Anónimo disse...

À consideração do blog:

Se fosse da minha responsabilidade, todos os post reles e ordinários, seriam logo apagados, e sem qualquer nota de "apagado pelo autor".
A discordância poderá ser aceite. A ordinarice, nunca.
Cumprimenta, para bem da blogosfera que poderá ser uma boa via de conversa que ultrapassará a Censura existente em todo o mundo.