01 março 2013

a acusação e a resposta

"A acusação

"De acordo com a filosofia racionalista, as proposições verdadeiras a priori estavam fundamentadas na operação dos princípios do pensamento, que não poderiam ser concebidos operando de outra forma; elas estavam baseadas nas categorias de uma mente ativa. Neste momento, como os empiristas faziam questão de mostrar, a crítica óbvia a esta posição é, que se fosse este o caso, não seria possível explicar porque estas categorias mentais deveriam se conformar com a realidade. 

Além disso, seriamos obrigados a aceitar a absurda suposição idealística de que a realidade teria que ser considerada uma criação da mente, para assim poder afirmar que o conhecimento a priori poderia incorporar alguma informação sobre a estrutura da realidade. E evidentemente, uma declaração como esta parece ser justificada quando nos deparamos com declarações programáticas dos filósofos racionalistas como a seguinte declaração de Kant: "Até o presente momento foi assumido que nosso conhecimento tinha que se conformar com a realidade", ao invés disto deveria ser assumido "que a realidade observável deveria se conformar com nossa mente". [56]"

A resposta

"A resposta a esta acusação é fornecida através do reconhecimento do fato de que o conhecimento é limitado estruturalmente pelo seu papel no sistema das categorias de ação. Pois assim que isto é entendido, todas as sugestões idealísticas da filosofia racionalista desaparecem, e no lugar delas uma epistemologia que reivindica que proposições verdadeiras a priori existem, passa a ser uma epistemologia realística. Entendido como sendo limitado por categorias de ação, o abismo aparentemente intransponível entre o mental de um lado e o real, o mundo físico exterior, do outro lado, é superado. Limitado desta forma, o conhecimento a priori deve ser algo tão mental quanto uma reflexão da estrutura da realidade, uma vez que é somente através de ações que a mente entra em contato com a realidade, por assim dizer. O ato de agir é um ajuste guiado cognitivamente de um corpo físico na realidade física. "
...
 A praxeologia é para o campo de ação o que a geometria Euclidiana é para o campo das observações (não-ações). Do mesmo modo que a geometria incorporada em nossos instrumentos de medição limitam a estrutura espacial da realidade observável, a praxeologia limita a gama das coisas que podem ser experimentadas no campo das ações.
...
Mises diz "Ambos, o raciocínio e o pensamento a priori por um lado e a ação humana por outro, são manifestações da mente. . . . Razão e ação são congenéricas e homogêneas; são dois aspectos do mesmo fenômeno.

Conclui:... E foi meu objetivo demonstrar que o insight misesiano sobre a natureza da praxeologia fornece também a própria fundação sob a qual a filosofia racionalista tradicional pode ser reconstruída e sistematicamente integrada. O filósofo racionalista pensaria que isto implica que ele deveria levar em consideração a praxeologia. Pois é exatamente o insight sobre os limitantes praxeológicos da estrutura do conhecimento que fornece o elo que faltava na sua defesa intelectual contra o ceticismo e o relativismo."

os fundamentos praxeológicos da epistemologia III, Hans Hermann Hoppe

13 comentários:

Francisco disse...

"A praxeologia é para o campo de ação o que a geometria Euclidiana é para o campo das observações (não-ações)."

Uma construção mental que não reflecte a realidade tal como ela é, portanto.

"Do mesmo modo que a geometria incorporada em nossos instrumentos de medição limitam a estrutura espacial da realidade observável, a praxeologia limita a gama das coisas que podem ser experimentadas no campo das ações."

Eu às vezes pergunto-me se esta gente são todos iluministas congelados no tempo desde o século 18. Você acha mesmo que a geometria euclidiana é uma verdade universal sobre a realidade??

CN disse...

Cruzes

....sobre as propriedades espaciais.

Alguém falou ser sobre a realidade social humana?

Francisco disse...

A geometria euclideana não é uma verdade universal "sobre as propriedades espaciais" da realidade não-humana.

Francisco disse...

Eu cada vez fico mais perplexo com os Austríacos, mas nesta citação do Mises eu nem quis acreditar, por isso fui pesquisar e é verdade!

Aliás o Hoppe também é da mesma opinião, aqui:

http://www.mises.org.br/EbookChapter.aspx?id=51

Ele diz:


"Além disso, a antiga alegação racionalista de que a geometria, ou melhor, a geometria Euclidiana é a priori e ainda incorpora conhecimento empírico sobre o espaço, também ganha suporte, como resultado de nosso insight sobre os limitantes praxeológicos do conhecimento. Desde a descoberta das geometrias não-Euclidianas e particularmente desde a teoria relativista da gravidade de Einstein, a postura prevalecente referente a geometria é novamente empirista e formalista. Ela considera a geometria ou como parte da física a posteriori empírica, ou como formalismos empiricamente sem significado. Todavia, considerar a geometria um mero jogo, ou que ela esteja eternamente sujeita a ser testada empiricamente, parece ser irreconciliável com o fato de que a geometria Euclidiana é a base da engenharia e da construção, e que ninguém nestas áreas nem remotamente considere que estas proposições sejam apenas hipoteticamente verdadeiras."

Desculpe CN, mas isto é uma anedota total. A geometria euclideana é verdadeira porque é usada na construção? A sério?

CN disse...

Francisco

vamos ver senos organizamos.

A matemática, de que a geometria é uma parte, precisa de testes empíricos?

Como pode perguntar isso tolerando o extrema estupides de que construir modelos matemáticos aplicados ao homem se descobrem verdades?

Ou seja, se nem aceita que a matemática em si mesmo é uma verdade, como depois aceitar que no comportamento humano a matemática serve para descobrir leis?

O que Hoppe diz e muito bem, é que o mesmo que a matemática faz no seu campo, no estudo da accção humana só as preposições consistentes com a sua realidade (a natureza da acção humana) podem ser verdades, e que a matemática neste caso não se aplica.

Francisco disse...

Ainda não percebeu qual é a minha crise com os Austríacos neste aspecto, eu vou tentar ser mais claro.

Nestes comentários eu não estou a discutir a acção humana, apenas as considerações que os Austríacos fazem sobre medições da realidade não humana, i. e., física principalmente.

Eu também não contesto que as verdades matemáticas não requerem verificação instrumental.

Mas aquilo que me causa perplexidade é que tanto o Mises como o Hoppe não só acham que a geometria euclideana é uma verdade em si mesma (até agora ok), como também acham que ela representa a realidade do mundo físico das medições, e isto é pura palhaçada que só seria aceitável no século 18. Estes dois autores acham que a geometria euclideana é superior a todas as outras, esta é conhecimento a priori sobre a realidade e as outras não. Porquê esta geometria em particular? Provavelmente porque é a única que percebem.

Francisco disse...

Só mais um aparte. A geometria euclideana, enquanto abstracção, é um sistema de proposições lógicas consistentes que não requer verificação. A proposição de que a geometria euclideana representa a realidade NÃO está isenta de teste empírico. Nesta situação a geometria euclideana é usada enquanto modelo matemático, e a sua relevância para um determinado domínio pode ser aferida experimentalmente, verificando uma data de propriedades em conjuntos de medições. A proposição de que a geometria euclideana representa a realidade pode ser il em casos particulares, mas enquanto lei universal é obviamente falsa, e até me custa que gente académica e aparentemente inteligente ande a dizer o contrário.

CN disse...

Francisco

Mas é o teste empírico que confere verdade ou falsidade às preposições lógicas a que a geometria (matemática) chega?

Como pode saber através do empirismo que não lhe falta alguma coisa na sua técnica? Como pode saber que outra que outra observação não virá a provar outra coisa?


Repare que pergunto isto não é para argumentar que o apriorismo é a-real. Como tenho tentado argumentar, reflectir sobre a realidade da acção num meio escasso não é a-real

Agora, pense no mundo da interacção do homem com a natureza e social? Onde é que alguma vez experiências podem validar ou refutar o que quer que seja com valor universal? Quanto muito são técnicas com validade restrita ao próprio universo que observou, e que têm a sua utilidade.

Mas o que se está aqui a falar, é em que medida se podem fazer pronunciamentos válidos no pressuposto que o homem age.

O que se nota é que a partir de determinado ponto as pessoas concedem que o empirismo não tem esse carácter e param aí. E isso significa algo como conceder: não existe qualquer forma de se estabelecerem verdades.

E isso vai contra uma tradição de longa data. O modernismo o que fez foi mesmo refutar a noção de verdade. E isso, na tradição e génese católica é o princípio do relativismo.

Francisco disse...

"Mas é o teste empírico que confere verdade ou falsidade às preposições lógicas a que a geometria (matemática) chega?"

Não, não é. Mas é o teste empírico que diz se essas proposições lógicas se aplicam à realidade ou não. A aplicação à realidade e a consistência lógica são duas coisas distintas.

"Como pode saber através do empirismo que não lhe falta alguma coisa na sua técnica? Como pode saber que outra que outra observação não virá a provar outra coisa?"

Life's a bitch, deal with it.

"Onde é que alguma vez experiências podem validar ou refutar o que quer que seja com valor universal?"

O empirismo NÃO quer encontrar verdades universais, quer encontrar modelos que se encaixem na realidade conhecida. E porquê? Porque é útil, interessante e se paga bom dinheiro por isso.

Sistemas lógicos perfeitamente consistentes há infinitos, dos quais a geometria euclideana, e (presumo eu) a acção humana de Mises são apenas exemplos. Agora, desses infinitos sistemas lógicos, quais deles se aplicam a uma parte da realidade e quais deles se aplicam à realidade como um todo (leis universais)?
Tem obviamente que os comparar com a realidade, e isso chama-se teste empírico, quer esteja representado por matemática ordinal, cardinal, conjuntos, ou seja lá o que for.

Francisco disse...

"Mas o que se está aqui a falar, é em que medida se podem fazer pronunciamentos válidos no pressuposto que o homem age."

O CN pode deduzir o que quiser a partir daí e dizer que isso é consistente com o axioma "O homem age", mas daí não se segue que tudo isto tenha um correspondente com a realidade da acção humana. Até porque esse axioma não parece ser a única suposição que é feita sobre a acção humana.

Do que eu já me apercebi da teoria do Mises ele parece pressupor que o homem age racionalmente de forma a atingir os seus objectivos. Ora não é nada óbvio que isto se aplique à realidade, e com engenho pode ser testada empiricamente.(provavelmente existe uma carrada de artigos sobre isto, tivesse eu vontade de os procurar - num post anterior acho que o comentador Harry Lime faz precisamente referência a isto).

CN disse...

"O empirismo NÃO quer encontrar verdades universais, quer encontrar modelos que se encaixem na realidade conhecida. E porquê? Porque é útil, interessante e se paga bom dinheiro por isso. "

Isso aceito eu e todos.

O que um empirista não pode é afirmar:

"nenhuma dedução pode ser tida como verdade porque para isso é preciso a prova empírica"

Razões:

- essa afirmação em si mesmo é apriorística
- os próprios empiristas acabam por reconhecer que o empirismo não serve de prova de validação de preposições universais

Portanto:

Como Hoppe disse, a praxeologia que parte da realidade da acção humana para deduzir preposições a partir dela, são as únicas verdades (gerais, não mensuráveis nem determinísticas nesse sentido) que se podem formular.

Assim, dizer "se o homem age prefere que o resultado da sua acção seja antes do que depois" é uma verdade em si mesmo.

Repare no pouco ambicioso que tal proposição é.

Compare com os empiristas que insistem que pretendem modelizar o comportamento humano usando números exactos.

Tem de perceber que muitos empiristas (Milton Friedman) por décadas tentam dizer que só a modelação empírica podem ser "verdades".

O que eu verifico é que quando abandonam isso saltam para o outro extremo profetizando que não existem verdades.

CN disse...

"da teoria do Mises ele parece pressupor que o homem age racionalmente de forma a atingir os seus objectivos."


Não, o que Mises diz é que dentro da preposição que o homem age as leis são estas e aquelas, etc.

Mas também atenção ao que quer dizer com racional e irracional.

Os austríacos concedem todo o grau de liberdade às preferências subjectivas. A sua teoria do valor acabou por se impor mesmo nas outras escolas. O valor é subjectivo e m«não mensurável. Preços não disseminam "valores", não revelam o valor que as pessoas concedem a isto ou aquilo.

O irracional para estar fora do âmbito do homem age, é, não existir qualquer sentido na sua acção. Tudo lhe faz como se lhe fez, pode mmorrer, ou estar vivo, não tem objectivos para hoje porque lhe é indiferente ser hoje ou amanhã. Não tens fins e assim também não selecciona meios, etc.

Se isto existe, está fora do campo do estudo da acção humana e as preposição não se lhe aplicam.

Francisco disse...

"Assim, dizer "se o homem age prefere que o resultado da sua acção seja antes do que depois" é uma verdade em si mesmo.

Repare no pouco ambicioso que tal proposição é."

Esta suposição é mais ambiciosa do que pensa, porque pressupõe que todos os homens agem de forma racional em todos os momentos. Isto já em si comporta uma modelação matemática da acção humana que pode ou não ser aproximada à realidade.


"Compare com os empiristas que insistem que pretendem modelizar o comportamento humano usando números exactos."

Nenhum empirista que se preze faria tal coisa, sem referir que esses números têm incerteza associada, tanto por erros de medição como por erros inerentes ao modelo.